No freezer da minha infância o sabor era sempre o mesmo: napolitano. O pote de dois litros da Kibon não durava muito, mas sempre causava confusão. Para as crianças terem o direito de comer precisavam pegar um pouco de cada um dos sabores. Mas, claro, nenhuma das três filhas era lá muito chegada ao morango. Além disso, a faixa de creme, meu preferido, era sempre a mais fina. Juro que não era coisa da minha cabeça!
Apesar dos esforços de nossos pais em acabar com os sabores aos poucos, era inevitável. O morango ficava ali, desprezado, misturado às sobras dos outros. Derretia e era novamente congelado, acumulando os terríveis cristais de gelo, o que só aumentava nosso horror ao coitado.
Quando finalmente me livrei da tirania do pote de napolitano, me entreguei ao mundo dos sorvetes. Em minha primeira viagem à Disney, fiquei doida com o picolé do Mickey, com o formato do rosto do ratinho. Depois, me encantei pelo sorvete de baunilha da Babuska. Já um pouco mais crescida, e com o paladar exigente, fiquei viciada no de avelã do Felice Caffè. E quando mais recentemente tirei os quatro sisos de uma tacada só, passei cinco dias à base dos sabores light da sorveteria Itália. Não queria outra vida.
Hoje vejo que o sorvete vai muito além do momento da sobremesa. Tive gratas surpresas nos últimos anos com sabores inusitados e acompanhamentos inesperados.
Um momento memorável foi ano passado, no restaurante Craft, em Nova York. Todas as sobremesas são feitas na casa, e uma ótima pedida é o sampler de sorvetes e sorbets. Fui de azeite de oliva, café, baunilha, concord grape, mel e manjericão.

Sampler de sorvetes do Craft: azeite de oliva, café, baunilha, concord grape, mel e manjericão.
Mas não é mais preciso pegar um avião para provar essas delícias. Os restaurantes cariocas estão saindo da mesmice e investindo em sabores exóticos. Sorvete de pepino? No Eça tem! O chef Frédéric De Maeyer serve a delícia ao lado de atum. A combinação é perfeita. Refrescante, leve e de cor linda.

No Eça, o duo de atum é servido com sorvete de pepino.
No último sábado provei o sorvete de hortelã do Garcia e Rodrigues, servido sobre um maravilhoso crumble de pêssego e framboesas. Estava tão bom que comi mais do que agüentava. Saí de lá rolando a escada, mas hoje já penso em repetir a dose.

O crumble do Garcia e Rodrigues é caro, mas vale cada centavo. Especialmente pelo sorvete de hortelã.
Já o sorbet de tomate, criação do chef Pierre Landry, vai muito bem com as vieiras e cavaquinhas do Mok Sakebar.
Pegando a ponte aérea, não deixe de experimentar o sorvete de chá verde do super japa Kinoshita. Ao lado, um bolinho de arroz com textura aveludada que esconde uma calda de chocolate que se esparrama pelo prato.

Sorvete de chá verde do Kinoshita: como tudo de lá, uma obra de arte.
Depois de provar tantos sabores, tenho achado cada vez mais que os sorvetes caem bem mesmo é nas entradas. Mas se vierem também ao final da refeição, melhor ainda! Comerei duas vezes, sem reclamar.